sábado, 16 de outubro de 2010

Possuo logo sou


crónica de Joana Galhardas

“Estamos de tanga”, diziam. “Estamos à beira de um colapso político”, dizem. “O Estado Social está em decadência”, arrematam. O capitalismo fracassa como Marx profetizava, e nós estamos acordados?
Vivemos num insustentável fetiche. Numa parafilia. Subversivos, consumimos, amamos o que consumimos, amamo-nos a nós próprios. Narcísicos, excitamo-nos e no fim de contas? Permanecemos insatisfeitos, nós queremos muito mais. Nada nos contenta e porquê? Porque nós somos o que temos. Refugiamo-nos em atitudes blasée pois não queremos sentir o desconforto da diferença, da dúvida provocadora de prurido. Imaginamos o Estado, esse órgão soberano, como se de um D. Sebastião envolto em névoa mística se tratasse e assim deixamo-nos ficar mais um bocadinho. Alguém há-de nos salvar.
Permanecemos imobilizados. Sentados, assistimos à telenovela política, ao descalabro e opinamos como treinadores de bancada. Atiramos umas quantas postas de pescada ao ar, de seguida fugimos não vão elas cairmos em cima. Depois? Como não há mais nada a fazer no vazio do ter, abrimos as carteiras e preenchemos esse espaço em falta. Saltamos de visa em visa até cairmos, gastamos o que não temos para ter criando uma apaixonante relação com a virtualidade. Sonhamos, e se sonhamos, viajamos até mas depressa acaba. Deixamos de ter, deixamos de ser e revoltados contra nós próprios olhamos para o poder político, tem de haver uma solução. Agarramo-nos ao patriotismo, enquanto uns rezam para que isto não caminhe a passos de coelho. Não queremos saber, desligamos e lá vamos andando. Tentamos contrariar, continuamente, as projecções e dizemos com falsa fé: “A vida continua”. Mantemo-nos calados porém, somos apanhados na própria armadilha. Este impulso para obter segurança e esta indiferença são os melhores amigos do autoritarismo. Esquecemo-nos rapidamente de questões passadas.
E afinal, somos o que temos ou temos o que somos? O que temos é relevante para a sociedade? Não sei. Não tenho resposta. Mas, devemos duvidar. Porque se ao duvidar isso nos fizer parar, pensar e relembrar aí sim, daremos conta do nosso poder de [des]construção.

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