sábado, 16 de outubro de 2010

Os meus heróis andam de transportes públicos


exercício Crónica 'versus' Coluna de opinião

Todos nós crescemos com super-heróis. O super-homem, o homem aranha, o Batman. Todos tivemos a nossa infância marcada por personagens especiais com super-poderes. Eu confesso que o meu super-herói preferido era o Flash Gordon. Não me perguntem porquê que eu não sei explicar. Lembro-me da tarde de Domingo em que o meu pai chegou a casa e disse “Queres ir ao cinema logo à tarde ver o Flash Gordon?”. E eu mal cabia em mim de contente quando de repente me lembrei que exactamente à mesma hora nesse dia era transmitido na televisão mais um episódio da Abelha Maia. Tentei convencer o meu pai a ir ao cinema noutro dia mas ele manteve-se firme “Tu é que sabes. Tens que escolher se queres ir ao cinema ou se queres ficar em casa a ver televisão.” São momentos destes que definem a vida de uma pessoa. A escolha feita por mim naquele dia teria um impacto na minha vida que só muitos anos mais tarde eu viria a perceber. Fomos ver o Flash Gordon. Na memória guardo apenas a cor improvável do sangue do imperador Ming e a voz estridente da jovem que o Flash Gordon salvava repetidas vezes. Os anos passaram e nunca mais encontrei um super herói que me servisse de fonte de inspiração. Com excepção talvez do Super Pateta. Sempre tive uma ternura especial pelo personagem. Sobretudo pelo seu traje de super-herói. Todas as crianças sabem que as maiores aventuras da vida de uma pessoa acontecem quando estamos de pijama. Até que outro dia encontrei a Irene. Acerca de um ano atrás. A Irene é segurança no edifício onde trabalho. Chega todos os dias antes das 8 horas da manhã com vários sacos na mão e esgueira-se para a casa de banho onde troca de roupa para aparecer depois vestida com a farda da Securitas. Trabalha 12 horas até às 8 horas da noite engolindo o almoço à pressa por detrás do balcão do posto de trabalho onde passa praticamente todo o dia. Mora na margem sul e da família separam-na 2 horas de transportes públicos entre barcos e autocarros. Às vezes chega a casa e a filha já está deitada. Hoje os meus heróis já não usam malhas apertadas e capas esvoaçantes. Andam de transportes públicos carregando sacos e jornais de distribuição gratuita. Travam uma luta diária com uma máquina infernal que os esmaga todos os dias um pouco mais. Os seus poderes especiais são chegar a casa com algo mais do que as compras do dia. Um abraço, uma sopa quase pronta, uma tabuada revista à pressa. O seu músculo mais forte é o coração. É esse o seu super-poder. É assim com a Irene. Todos os dias atravessamos aquela porta e ela salva-nos com um sorriso franco e uma generosidade sem fim.

Pitta

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