sábado, 16 de outubro de 2010

Do carro lavado

Sobre o panorama actual do automóvel nacional eu podia escrever sobre como conduzem os portugueses - que parecem descendentes do Fangio – ou do seu fascínio por acidentes alheios ou ainda podia escrever sobre o amor pela buzina como forma de chamar a atenção. No entanto prefiro escrever sobre um assunto muito mais estrutural e representativo da nossa sociedade: a obsessão pelo carro lavado.
Certamente já ouvimos expressões como “tens o carro tão sujinho”, quando apenas temos o carro com uma cor mais esbranquiçada ou já vimos a raiva nos olhos de quem encontrou uma pequena cagadela de pombo no capô. Tem até um ponto de engraçado quando vemos alguém de bicos de pés a esticar a manga da camisola, disposto a sujar a sua própria roupa, para limpar uma pequena mancha de pó no tejadilho.
No fundo é como se os condutores portugueses se estivessem a preparar para a Miss Universo Automóvel com mais dedicação do que os nossos cantores têm para fazer uma música para a Eurovisão.
Mas já nos perguntámos porque razão é tão importante para os portugueses a limpeza exterior do automóvel? Sim, porque a higiene interior faz algum sentido visto os passageiros viverem, mesmo que por alguns minutos, naquele habitáculo. O que não acontece com o exterior, onde apenas tocam nos manípulos e mesmo esses são por breves segundos.
As teorias sobre esta questão divergem. Uns especialistas defendem que é para parecerem mais bonitos nas fotografias dos radares. Outros dizem que é para mostrarem o reflexo do perdedor quando o ultrapassarem na Nacional 10 a 120km/h. Outros ainda defendem que é para, quando travam para ver um acidente na beira da estrada, o seu carro ser o mais belo da fila de trânsito da segunda circular.
Mais interessante que a resposta é perceber que num contexto de crise, onde alimentos são riscados do cabaz mensal, viagens são retiradas do plano de festas das famílias, o acesso à cultura é negada aos mais pequenos por ser muito cara, nunca faltam 5€ para pagar a lavagem com esponjas felpudas ao domingo à tarde no Elefante Azul.
Chegamos então à conclusão que no final deste ano teremos mais cortes no orçamento, mais greves todos os meses, a produtividade mais baixa da Europa, um número recorde de desempregados e os carros mais belos que já foram vistos em cima de qualquer alcatrão do mundo.
Pedro Vintém

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