sábado, 18 de dezembro de 2010

sketch: praga de coelhinhos da páscoa (Leonor Mac)


01 – HORTA HUMILDE NO CAMPO MANHÃ

Plano panorâmico lento da horta, vê-se uma capoeira ao fundo, uma cerca em mau estado, galinhas e patos, e um cão preso a uma corrente.

VOZ OFF
Depois do aparecimento dos pesticidas, por volta dos anos 50, as pragas passaram a ser coisa do passado. Mas hoje, os desiquilíbrios dos ecossistemas e o aquecimento global tem feito ressurgir este problema. Novas medidas de prevenção e de combate são um desafio à criatividade e engenho de todos nós. Mas nem sempre as soluções são fáceis ou agradáveis. Para problemas graves, às vezes são necessárias medidas extremas.

Corta para a imagem de um agricultor de meia-idade, que observa a sua horta enquanto se dirige para a capoeira.

VOZ OFF
Nesta localidade de Sarilhos Pequenos, a poucos quilómetros de Lisboa, este homem foi confrontado com um problema inédito, mas que se está a alastrar pelo país a uma velocidade assustadora... (voz solene) A praga dos Coelhos da Páscoa.

Corta para o entrevistador, um homem novo, com o sobrolho franzido em sinal de compreensão e preocupação.

ENTREVISTADOR
Então como é que se apercebeu que tinha Coelhos da Páscoa aqui na sua horta?

Corta para o agricultor que encolhe os ombros em desalento.

AGRICULTOR
Isto é uma chatice. A gente acorda, vai à capoeira e vê os ovos todos pintados às cores... A capoeira fica cheia de lacinhos em todo o lado – a gente até se riu porque achava que era uma brincadeira do meu cunhado! Mas depois, era todos os dias e as galinhas ficavam todas desalvoraçadas!

ENTREVISTADOR
E eles também destruíram a sua horta?

Corta para o agricultor que tem uma expressão de grande cansaço e desalento.

AGRICULTOR
Mas não é isso. Não vê que não é so pintarem os ovos? Nem os laços? Dá muito trabalho andar sempre a desmontar aquele circo todo! Mas o pior é que os bichos escondem uma data de ovos todos os dias. A gente anda por aí... e é só pisar ovos em todo o lado! Eu tenho uma neta pequena e isto é um perigo! A culpa é do novo super-mercado, mais as promoções da Páscoa... Foi só trazer coelhos para aqui...

CORTA PARA


02 – INTERIOR DE UMA CARRINHA DE CAIXA ABERTA MANHÃ

Um homem conduz a carrinha, vestido com impermeável, boné e óculos amarelos, como os atiradores furtivos.

VOZ OFF
Gerson Silva faz parte da equipa de controle da praga de Coelhos da Páscoa, recentemente instituída pelo Governo Português. Ele está preparado para todas as situações, estando equipado com dispositivos de visão nocturna, armas de vários calibres, bolachas super calóricas e um pente.

Gerson tem uma expressão séria e um aspecto muito profissional. Estaciona a carrinha e sai, deixando ver as calças com muitos bolsos laterais, e umas botas de caminhada. Dirige-se para a capoeira com o agricultor

VOZ OFF
Gerson vai agora ver os estragos, para tentar estimar quantos Coelhos da Páscoa andam por esta zona.

CORTA PARA


03 – INTERIOR DA CAPOEIRA MANHÃ

A capoeira tem laços brancos, rosa e azul bebé, gema de ovo no chão, e muitos ovos pintados de todas as cores. Gerson e o agricultor estão frente a frente. O agricultor olha desesperado, Gerson observa a situação fria e detalhadamente.

CORTA PARA


04 – EXTERIOR DA CARRINHA DE GERSON MANHÃ

Gerson passa algumas das armas que tem guardadas atrás do banco, para a caixa aberta. Enquanto issi, vai falando na direcção da câmara.

GERSON
(com sotaque brasileiro) A mim me parece que toda uma comunidade de Coelhos de Páscoa se instalou aqui. É uma situação muito difícil! E para mim isso é muito complicado! A gente nunca gosta de ter que fazer isso, não é?

Gerson entra dentro do carro e põe-se em marcha.

CORTA PARA


05 – INTERIOR DA CARRINHA DE GERSON NOITE

A carrinha com Gerson ao volante segue por caminhos de terra-batida, e com imagens de visão nocturna vão se vendo Coelhos da Páscoa – de tamanho humano – que se escondem atrás de árvores quando sentem os faróis da carrinha. Há laços espalhados no chão, e alguns ovos partidos.

GERSON
Não tem jeito não... Vamos mesmo ter que intrevir.

Passa um Coelho da Páscoa a correr escapando por pouco a uma colisão com a carrinha.

GERSON
(com uma mão em cima do boné que tem na cabeça) Olha! Olha! Você viu o safadinho?!

CORTA PARA


06 – EXTERIOR DA CARRINHA DE GERSON

Gerson encosta o carro, sai e pega numa arma que tem na caixa aberta da carrinha. Fica muito quieto por alguns momentos, e depois ouve-se o barulho de uma metralhadora. A rajada dura 10 segundos, seguida por uma nova rajada de igual duração. Gerson faz um compasso de espera com a cabeça baixa. Depois tira lentamente o boné, aperta as mão à frente do peito como se rezasse, levanta a cabeça e vêm-se lágrimas a escorrer-lhe pela cara. Enquanto cai de joelhos no chão, levanta as mãos para o céu.

GERSON
(grita a plenos pulmões) MEU DEUS ME PERDOA! (soluça e fecha os olhos com muita força) Eles são tão fofinhos... tão fofinhos...

Baixa a cabeça e chora compulsivamente. Quando se recompõe, Gerson levanta-se, limpa as lágrimas com as costas da mão e entra dentro da carrinha. Ele arranca e vê-se a carrinha a ir embora pelo caminho de terra batida. O pó que se levanta tapa progressivamente a carrinha a sair do enquadramento e o agricultor que sorri e lhe acena da porta de casa, cândido, enquanto segura na outra mãe a cabeça degolada do coelhinho.

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