sábado, 18 de dezembro de 2010

sketch: 3 sacerdotes e um agnóstico (Pedro Fontes)

Cenário: Programa de televisão estilo prós e contras, com 4 mesas, e apresentadora ao centro. Em cada mesa há um representante de uma grande religião, e noutra mesa à parte está um agnóstico. Cada mesa tem o símbolo de uma religião virado para as câmaras. O padre tem uma cruz, o rabi uma cruz de david, o Imã tem um quarto crescente, e o agnóstico tem um ponto de interrogação. Todos apresentam-se nos seus trajes cerimoniais. O Agnóstico está de fato, e tem uma cruz suástica na testa careca.)

APRESENTADORA: Boa noite a todos, bem vindos ao Debate da Nação. Esta semana abordaremos, com religiosos de todas as confissões, as questões religiosas que REALMENTE interessam ao povo. Segundo a nossa sondagem elaborada pela EUROSONDAGEM (e de que a Universidade Católica se desvinculou por conflito de interesses...) as pessoas apenas querem realmente saber de 3 coisas quando se juntam a uma religião:COMIDA, SEXO, e VIDA APÓS A MORTE (os padres mostram-se muito relaxados, assentindo com a cabeça, nada surpreendidos).

Convidámos pessoas de todos os campos. Da Igreja Católica, temos Januário Virgílio, cónego de Freixo-de-Espada à Cinta (Januário acende um cigarro, sem olhar para a câmara), da Fé Islâmica, temos Muhammad Akim (Muhammad mostra-se concentrado, disposto ao confronto, com um ar tenso e profissional), da parte do Judaísmo, temos Immanuel Silverstein (Immanuel levanta as mãos e agita a farta cabeleira encaracolada, visivelmente satisfeito de estar na televisão). Como Agnóstico, temos Sansão Elias (Sansão sorri de forma calorosa e educada). Lamentamos que a Religião Budista considere que "debate" é uma palavra violenta.

Passemos ao primeiro tema do nosso debate - COMIDA. Que têm os agnósticos a dizer sobre restrições alimentares ordenadas por Deus?

SANSÃO: Olhe, eu acredito numa entidade superior que se dedica apenas a manter o Universo equilibrado sem se preocupar com cada um de nós individualmente. À semelhança, aliás, do Mário Soares.

APRESENTADORA: Muito bem, e a Igreja Católica?

JANUÁRIO (dá uma passa....): Olhe... a Igreja tem muito poucas restrições. Comemos porco, comemos todos os meses do ano... Uma das cruzes que trago ao peito é do bypass (sorri com uma expressão de tarado).

IMMANUEL (toma a palavra, contentíssimo,e com um sotaque arrastado, carregado nos erres e cantado) É verdade...mas olhe que o Antigo Testamento é sábio. Não existe palavra em hebraico para "SALMONELA". O povo escolhido foi protegido de doenças. Não há porco, não há salmonela, não há palavra!

SANSÃO (sereno, educado, e claramente a tentar fazer um argumento sério): É como o Holocausto. Se não existissem judeus, o Holocausto não teria existido. (Immanuel fica confuso quanto a se se ofende ou não, o apresentador está em choque. Há três segundos de silêncio)

MUHAMMAD: (Sério) Não sei a que Holocausto se refere (Olha para os interlocutores com um ar de "so sue me"). O Ramadão, por outro lado, já conheço bem. Serve para limpar a alma, de maneira a não vivermos como infiéis, vivendo como alarves. Uma vez que o nosso profeta não precisa de morrer só para exibir os seus super-poderes, não temos qualquer problema em deixar os fiéis comer à vontade às sextas-feiras (levanta os olhos com ar inteligente e inquisitivo para Januário).


JANUÁRIO: (Dito a baixar a mão com o cigarro de cima para baixo, como que a dar pouca importância) Isso do jejum à sexta-feira era para as beatas pouparem uns trocos e darem mais à colecta no domingo. Além disso, eu vou dando um jeitinho aos fiéis...Digo que podem comer peixe e a malta até lagosta manda abaixo. É uma maravilha. Sempre passei as sextas-feiras santas de luto, mas com muito boa mesa... E com cada pomada... As velhas andam secas como fruta de cabinda, mas cozinham que é uma categoria (ilustra com o indicador e o polegar juntos em círculo, acrescentando solenidade).

APRESENTADORA: Immanuel e Muhammad, a proibição de comer porco parece-lhe justificada?

MUHAMMAD: (Sério) É importante, mas não é tão importante como a senhora pôr um véu. (Novo ar de "so sue me". Apresentadora mostra-se triste). Sinceramente, trate disso. Não vejo outra maneira de melhorar.

IMMANUEL (todo feliz): Nada que um basalto bem colocado não cure, não é, colega?

APRESENTADORA (aflita, troca de assunto rapidamente): Identificam-se com os vossos colegas hindus, que consideram a vaca um animal sagrado e não a comem?

IMMANUEL (sempre felicíssimo): Claro que não. (Com veemência) Isso é estúpido. As vacas valem muito mais dinheiro do que os porcos.

APRESENTADORA (já com falta de ar, olha para a câmara com desespero e muda de matéria): E o que dizer quanto ao Sexo?

JANUÁRIO: (Sério, pondo-se em sentido) Apenas para reprodução.

MUHAMMAD: Exactamente. Não se deve fazer por motivos recreativos. Sobretudo os actos derivados...

JANUÁRIO: Dançar muito perto, esfreganços, sentir as nádegas, gravatas, castanholas, boxe, felácio, sexo oral recíproco e simultâneo...

IMMANUEL: Por trás também é um sacrilégio. Muito menos com mulheres exóticas e experientes que cobrem caro.

JANUÁRIO: (Entusiasma-se) Sim! (Quase em aparte) De perfume doce e cabelo comprido... (desenha as costas de uma mulher com a mão, imitando o cabelo)

MUHAMMAD: E nada de posições estranhas. O Senegalês voador, o Domingo à tarde na prisão, o berbequim da Transilvânia, o Balamento e a Guerrilha Vermelha do Sul são especialmente profanos.

IMMANUEL: (Solene, numa expressão que ainda não lhe conhecíamos, de olhos arregalados) A Guerrilha Vermelha do Sul...

JANUÁRIO: A Guerrilha Vermelha do Sul nem os casados deixo fazer. Aquela coisa com os dedos e a língua ao mesmo tempo é contra a Lei de Deus. Além disso, parece que só as asiáticas conseguem fazer aquele rodopio no final.

MUHAMMAD: E o gosto que fica na boca depois é profundamente pecaminoso...

IMMANUEL: Não há como tirar aquele gosto da boca...

JANUÁRIO: Só com Bacon

Immanuel aponta num caderninho, que guarda rapidamente.

SANSÃO: Olhem, eu acredito numa entidade superior que se dedica apenas a manter o Universo equilibrado sem se preocupar com cada um de nós individualmente. À semelhança, aliás, do Mário Soares.

APRESENTADOR: E o que têm a dizer sobre a vida após a morte? Para onde acham que vão os vossos colegas de programa, depois de deixarem este Mundo?

JANUÁRIO (com desportivismo): Inferno. Lamento, mas a Bíblia é clara...não podem andar aí a negar o filho do Senhor e a se gabar disso... E o senhor que acha que Deus não se preocupa com ele individualmente verá que isso é completamente mentira: terá uma salinha só para si no Inferno. Um demónio, chagas, pestilência, grilhetas, mutilações, violações, fezes, vómitos, morcegos, serpentes, guilhotinas, golpes nos genitais, banhos de água a ferver, dentadas, fome, doença, cansaço, televendas e música dos Delfins... Todas as prerrogativas de uma alma penada. Sem ofensa. (Todos se mostram ponderados, assentindo, reconhecendo legitimidade ao argumento)

IMMANUEL (todo contente): Nada disso! Eu também acho que todos irão para o Inferno, (aponta para os visados) por adorar um falso salvador do Mundo, ou por se atreverem a achar que ele não vem aí. E por comer (olha para a distância, com desejo e languidez, esgueirando os olhos e pausando ligeiramente entre cada palavra) bacon,chouriço, morcela, fiambre, costeletas, ombro, orelha, lombo, chispe, barriga, pá, cabaço e secretos do porco (olha para cima) Um animal divino...cozido, grelhado, frito, estufado, no forno...os leitões com a sua pele estaladiça...(perde-se)


MUHAMMAD: Como todos os infiéis, vós sofrereis as agonias reservadas às almas mais impuras do Universo. Será como me fizeram os senhores de luvas brancas antes de entrar no avião (mostra revolta e entusiasmo crescentes). Uma vez, e outra vez, e outra vez novamente. VEzes sem conta. Luvas brancas e o vosso rabo infiel, friccionando-se dia após dia, durante toda a eternidade! (Olha para o ar e dá um grito Muhajedin): ALELELLLELELELLELELELELLLELE.(Compõe-se) Com todo o respeito.

SANSÃO: Olhem, eu, como acredito numa entidade superior que se dedica apenas a manter o Universo equilibrado sem se preocupar com cada um de nós individualmente, acho que passamos para um estado de inconsciência semelhante àquele em que estávamos antes de nascer.

APRESENTADOR (jocosamente): À semelhança, aliás, de Mário Soares, não é?

SANSÃO (sério): Não. Esse vai para o Inferno.

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