quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

exercício CENA



BAR - NOITE SEXTA-FEIRA

Bar tradicional com bancos ao balcão, 3 mesas ao fundo, Jukebox ao canto e garrafas expostas por trás do Barman.

NOTA: a cena decorre entre planos gerais do Bar e planos aproximados de Belmira e do Barman quando falam.

Belmira entra no Bar com ar deprimido e senta-se ao balcão.


BARMAN
Boa Noite. Então o que vai ser?

BELMIRA
(suspiro) Hoje vou para a tequilla pura e dura. Tequilla com Tequilla por favor. De qualquer das formas o mais provável é não passar mesmo de hoje. Há muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável, gosta de Mão Morta?

BARMAN
Trata-me por tu. Os barman’s são por norma tipos de pouca cultura e um bocado burgessos mas tenho toda a discografia deles. Tenho uma banda da qual sou guitarrista e por acaso uma das nossas grandes referências é o Adolfo Luxúria Canibal. Mas porquê essa desilusão?

BELMIRA
Discuti mais uma vez com o meu Pai. Não me deixa fazer uma viagem sozinha a Barcelona e ameaçou espancar-me com o velho cinto da Mocidade portuguesa. Imagina o que me espera?

BARMAN
E porquê Barcelona?

BELMIRA
Sou Arquitecta, ou melhor, sou uma amostra de Arquitecta e Barcelona é a cidade que mais adoro no Mundo.

BARMAN
Pois, com um Pai assim não deve ser nada fácil. Ainda usa cintos da Mocidade Portuguesa. Que atraso de vida.

BELMIRA
Na estante da nossa sala o “Pela Estrada Fora” do Kerouac está lado a lado com o Mein Kampf. Conheces alguém que partillhe o tecto com um monstro?

BARMAN
Precisas claramente da tal bebida. Just a minute.

O Barman vai preparar a tequilla dupla. Enquanto isso, faz-se um plano geral do bar. Lentamente a câmara aproxima-se de uma jukebox colocada num dos cantos enquanto se ouve uma música de Tindersticks. O Barman volta pouco depois.

BARMAN
Aqui tens. Queres limão?

BELMIRA
Não obrigada. Prefiro assim.

BARMAN
As relações com os velhos são lixadas. Esquece isso.

BELMIRA
Não consigo. Há 26 anos que vivo com um louco que critica tudo o que faço. Não sei como a minha mãe o consegue aturar. Só me apetece ir desta para melhor.

BARMAN
Qual é mesmo o teu nome? O meu é António.

BELMIRA
Belmira.

BARMAN
Estás a precisar de animação. Se quiseres, daqui a pouco quando sair, posso-te levar a um sítio mais descontraído. Que dizes?

BELMIRA
A última coisa que precisava esta noite era de ser assediada por um barman com conversa de padre contemporâneo. Traz-me é outra Tequilla por favor.

Vê-se um grupo de jovens sentadas numa das mesas a cochicharem entre sorrisos libidinosos, enquanto olham para o barman a preparar a bebida. Entretanto, António, volta à companhia de Belmira trazendo mais uma tequilla no tabuleiro.

BARMAN
Padre contemporâneo, nunca me tinham chamado, mas é original. Gosto.

BELMIRA
A tal banda a que pertences não te proporciona encontros amorosos suficientes? Deves ter imensas admiradoras. Já reparei nos olhares que aquelas miúdas te fazem.

BARMAN
Nenhuma delas é tão atraente como tu. Preciso de uma musa inspiradora para as minhas composições. Tal como a Pilar foi fundamental na carreira do Saramago, preciso de alguém que me ilumine a veia criativa.

BELMIRA
Que grande cliché. Gostas de Saramago? E és sempre assim tão oferecido?

BARMAN
Não. Nunca li nada dele. Sou um Barman inculto, lembras-te? Mas li uma entrevista da Pilar e estou mesmo a precisar de um Pilar na minha vida de pseudo-artista.

Rui Filipe Ferreira

Sem comentários:

Enviar um comentário