terça-feira, 2 de novembro de 2010

Gente Como Nós - crónica

Amo o que sou. Adoro o que faço. Partilho até um desabafo “Tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Porém, razões casuais ou vontade própria do destino, podem-me trilhar outro caminho. Trapezista, homem do gás, hoquista ou tabledancer, não são pátios escuros. Não me esquivo a aprender a ser. Não rejeito saber fazer.
Contudo, uma coisa nunca serei na vida. Primeiro-ministro. Nunca. Nem pago, amarrado ou torturado por Júlia Pinheiro tentando no insucesso, ser agradável ao meu ouvido. Nem obrigado a ter relações sexuais com um senegalês, ainda que este me jure a pés juntos: - Pedro. Prometo que interrompo o coito. Mesmo forçado, num curto espaço de tempo, a cantarolar sem receio, uma canção de amor em torno da palavra trotineta, eu não quero. Sei da ínfima probabilidade que cada um tem de o ser. Mas não quero.
A razão da minha renúncia é simples. E sou gente comum. Um primeiro-ministro não. A mim perdoam-me invariavelmente o erro, a ele nunca. A mim, se me vêm na rua, quem me conhece comenta carinhosamente: - Olha. Lá vai o filho da Paula. Está crescido, o rapaz. Ao primeiro-ministro dizem: tem mesmo cara de palhaço. Eu, gente normal, se faço coisas boas, congratulam-me. Se faço algo mal, encorajam-me. Um primeiro-ministro o que faz de bom, já devia ter feito. O que faz de mal é normal porque todos fazem o mesmo.
Um homem que é gente, quando se torna primeiro-ministro deixa de o ser. Passa a ser saco de box do Mike Tyson que há em nós. Uma espécie de bacio de reserva que habita em cada condomínio nacional. Perde o direito de gente e ganha o estatuto de inumano. Agora é mau, insensível, deseja o pior para o país e por isso é que o conduz a isso. Ele faz de propósito. Pensam muitos. Como se ele não pudesse ser comum. Como se ele nunca tivesse adiado o despertador “mais cinco minutos” ou tirado em tempos um macaco do nariz. Como se ele nunca tivesse calçado, sem intenção, uma meia rota no calcanhar. Como se ele não fosse gente como nós.
Como não é, eu nunca o quero ser.

Pedro Magalhães

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