sábado, 27 de novembro de 2010

Perfil de Personagem (Eliana Sá - Turma de Humor)

Tom Taylor

Tem 62 anos, é um pouco barrigudo e, para além das entradas na testa, ostenta uma vasta cabeleira tingida de preto e avolumada à base de muita mousse e laca.
Foi líder de uma banda heavy metal que dominou as paradas de sucesso mundiais em meados dos anos 70. Como foi famoso em escala planetária nos anos 70, até hoje é bastante conhecido.
Ficou milionário, comprou um castelo e quando cansou da vida de rock star, acabou com a banda. Viveu feliz seus anos de relativo ostracismo, financiados pelos royalties das vendas de discos que, apesar do fim da banda, continuaram de vento em popa.
Contudo, com o advento da internet e da pirataria online, os discos pararam de vender e a fonte secou. Para poder manter seu estilo de vida abastado, Tom Taylor viu-se obrigado a reagrupar a lendária banda e sair em turnê mundial.
O problema é que Tom Taylor já teve a sua cota de sex, drugs & rock’n’roll e não tem mais a mínima paciência para o show business. Tudo o que ele queria era continuar quieto em seu castelo, a levar sua vida de senhor reformado e abastado.
Irrita-o ter de estar permanentemente a viajar, a viver em quartos de hotéis. Já conhece quase todos os países do mundo e não tem a mínima satisfação em revê-los. Detesta ter de estar a dar autógrafos, tem verdadeira hojeriza aos fãs que 40 anos depois continuam a vestir-se com camisolas pretas de motivos satânicos. Despreza o cenário macabro de seus shows, acha que aquilo não passa de um parque temático para gente que gosta de ser do contra. Sente-se ridículo no papel de mestre de cerimônias de um mundo que, mesmo macabro, é não é menos fantasioso que a Disneyland. Odeia ter que voltar a usar o figurino heavy metal. Acha-o piroso, as calças colantes incomodam-no demais, é obrigado a estar em permanente dieta para ficar minimamente decente nelas, sem falar que agora que tem 60 e tal anos, também tem que usar um suspensório testicular sob as tais calças.
Quando pode ser ele mesmo gosta de vestir calças de fato treino confortáveis e prosaicas camisas de malha da Wal-Mart. Ainda assim não é deixado em paz: quem o reconhece na rua costuma comentar, em voz alta, para que ele possa ouvir, como ele anda mal vestido para quem tem tanto dinheiro.
Os cabelos são outro problema. Para seu desgosto, por causa do retorno da banda teve que deixá-los crescer, ele que já estava tão habituado à praticidade dos cabelos curtos. Junto com os anos de mocidade foi-se embora também a paciência, e nada exaspera mais Tom Taylor que passar longas horas sentado a ter seus cabelos preparados antes de cada show. Sem falar no ridículo que é ser meio careca pela frente e meio Sansão por trás.
Os companheiros de banda são igualmente insuportáveis. O baixista, antigo amigo da adolescência, na verdade jamais saiu da adolescência e está nas nuvens com o revival da banda e dos velhos tempos de glamour. A alegria dele faz o estômago de Tom Taylos dar voltas. O guitarrista está com os neurónios tão gratinados por anos e anos de consumo de drogas que não se apercebe de quase nada do que acontece ao seu redor. Vive num universo paralelo que é só seu. O baterista original morreu de overdose nos anos 80 e a cada show um baterista novo ocupa o seu lugar, pois Tom Taylor dá sempre um jeito de arrumar uma briga com cada baterista que aparece.
O empresário da banda é o mesmo de sempre e está mais ganancioso do que nunca. Está sempre a inventar novas turnês, novas entrevistas, novos factóides, tudo que possa render mais dinheiro. Volta e meia apresenta a Tom Taylor um projeto de reality show para ele estrelar, cada um mais estapafúrdio do que o outro, o que leva o contrariado rock star à loucura.
Tom Taylor despreza a fama mas muitas vezes fraqueja e usa-a para benefício próprio. Nestas ocasiões, quando não é pego em contradição, é acometido por crises de consciência.
A tragédia de Tom Taylor é que ele tem perfeita consciência de que o tempo passou, ele envelheceu e há muito tempo deixou de ser a pessoa que o público e os media ainda insistem em ver nele. A comédia de Tom Taylor é que ele não perde uma oportunidade para destilar seu sarcasmo contra um star-system com o qual muitas pessoas sonham mas que ele, que o conhece de dentro, despreza.
Acima de tudo, Tom Taylor odeia a si próprio por não conseguir mandar o dinheiro às favas e deixar de desempenhar este papel no qual não se sente mais confortável. Sem o revival da banda, não haveria como sustentar o castelo, os hábitos de consumo da mulher 30 anos mais nova, as exigências dos filhos mimados e disfuncionais e a sua coleção de cravos renascentistas.
Tom Taylor, um velho rabugento travestido de ídolo rock.

Físico: Velho, barrigudinho, meio careca na frente e cabeludo atrás, roupas heavy-metal inadequadas para a sua idade e porte físico.
Social: Idolatrado por um determinado nicho social, adulado pelos que o rodeiam, vigiado pelos media.
Psicológico: Sente-se desajustado à imagem que as pessoas têm dele e àquilo que esperam que ele seja.

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